"A palavra filosofia é de origem grega e significa amor à sabedoria. Ela surge desde o momento em que o homem começou a refletir sobre o funcionamento da vida e do universo, buscando uma solução para as grandes questões da existência humana."
terça-feira, 12 de junho de 2018
Dédalo e Ícaro, os limites para sonhar
Em Atenas, Dédalo era um artesão e engenheiro famoso. Todos conheciam a sua arte e ele tinha fama em toda Grécia. Os mais poderosos reis queriam adquirir as suas esculturas ou viver nos majestosos palácios e edifícios que ele construia. Com tantas encomendas, Dédalo já não conseguia atender a todos os pedidos e para aliviar a grande sobrecarga, o artista decidiu ter um aprendiz em sua oficina, seu sobrinho Talo.
Dédalo ensinou ao jovem todos os segredos das artes da cerâmica, da arquitetura e da escultura. Aos poucos, Talo mostrou-se um excelente aprendiz e um genial artista, e com sua criatividade inventou o torno de oleiro. Dédalo sentiu uma profunda inveja por não ter sido ele o criador do invento. A cada dia, Talo inventava algo. Certa vez, ao ver os dentes pontiagudos de uma serpente, ele teve a inspiração para inventar o serrote. Passado algum tempo, Talo inventou o compasso e outros inventos para a produção das armas, tijolos e vestimentas dos atenienses.
Quanto mais Talo mostrava a sua criatividade, mais Dédalo o invejava, e Talo começou a adquirir muita fama em Atenas conquistando os antigos admiradores e clientes de Dédalo. Aos poucos Dédalo foi perdendo a genialidade criativa e sua inveja tirava sua inspiração. Os trabalhos de Talo passaram a ser preferidos e Dédalo por se sentir ofendido decidiu eliminar o sobrinho. Dissimulando suas intenções, Dédalo convidou Talo para um passeio ao templo de Atena que ficava no alto e um penhasco. Caminhando inocentemente com o tio, quando passavam pelas muralhas do tempo em um gesto premeditado Dédalo empurrou Talo ao precipício. Ao encontrar a morte, o rosto de Talo apresentava um sorriso nos lábios.
Depois de matar o sobrinho, Dédalo recolheu o corpo de Talo, enfiou em um saco e tentou apagar os vestígios de seu crime. Porém, quando retornava para sua oficina, Dédalo foi surpreendido carregando um saco sujo de sangue. Nervoso, o arquiteto disse ser de uma serpente que matara mas o nervosismo do arquiteto fez com que as pessoas desconfiassem daquela versão. Dédalo continuou o seu caminho, sem perceber que os curiosos sorrateiramente seguiam os seus passos. Em um terreno vazio, Dédalo depositou o cadáver do sobrinho. Do alto do Olimpo, Atena a deusa da sabedoria, o assistia e transformou a alma de Talo numa perdiz.
Denunciado, Dédalo foi conduzido ao cárcere enquanto a perdiz sobrevoava tribunal assistindo a justiça feita. Alguns dias após a condenação Dédalo conseguiu fugir para Creta onde já tinha chegado a sua fama de artesão, escultor, inventor e engenheiro. Quando Minos, rei de Creta, soube da presença do artista, recebeu-o com honras de Estado e o colocou sob sua proteção mas exigiu que ele trabalhasse somente para ele. Dédalo passou a criar muitas obras e estátuas para Minos, mas perdeu sua liberdade criadora. Suas criações ficaram restritas aos desejos do monarca e sua arte se tornou prisioneira dos caprichos do Rei Minos.
Sempre à deriva dos caprichos reais, a bela rainha Pasífae, a esposa do rei, tendo se apaixonado por um touro, pediu a Dédalo que criasse uma armadura no formato de uma novilha que lhe permitisse atrair o touro. Dédalo esculpiu uma novilha em madeira e desse amor incomum da rainha e o touro nasceu o Minotauro, uma criatura com corpo de homem e cabeça de touro. Para esconder a vergonha da traição da mulher, Minos ordenou que Dédalo construísse uma prisão para o monstro, um lugar de onde ele jamais pudesse sair. Dédalo construiu um labirinto com becos e caminhos sinuosos, como um enigma.
O Labirinto tornou-se a maior obra arquitetônica de todo o Mediterrâneo gerando a admiração dos povos, inquietando a curiosidade de outros reinos. Aprisionado, o Minotauro se revelou uma violenta fera e exigia ser alimentado de carne humana. Minos que havia conquistado o reino de Atenas, exigia do rei Egeu sete rapazes e sete moças para serem sacrificados. Teseu, o filho do rei de Atenas, revoltado com a maléfica exigência, misturou-se com os jovens que seriam enviados para Creta.
Em Creta, Teseu seduziu a bela princesa Ariadne, filha de Minos. Com sua ajuda, penetrou no Labirinto levando um novelo de lã que foi desenrolado desde a porta de entrada. Teseu venceu o Minotauro e conseguiu sair do labirinto seguindo as linhas do novelo. A bela Ariadne esperava-o na saída e apaixonada fugiu com Teseu, levando seu irmão como refém. Perseguidos pelo rei Minos, esquartejaram o filho de Minos, e enquanto Minos recolhia os pedaços do filho no mar, Teseu e Ariadne fugiram. O rei Minos culpou Dédalo por toda tragédia e como castigo, encerrou Dédalo e seu filho Ícaro dentro do Labirinto, fazendo-os prisioneiros perpétuos.
Dédalo se tornou prisioneiro de sua própria criação e passou a viver com seu sonho de liberdade, até que construiu asas que lhe permitiria fugir voando. Juntando penas de aves, Dédalo construiu seu sonho amarrando as penas e colocando uma camada de cera sobre elas. Terminado seu projeto, Dédalo recomendou a seu filho os cuidados para o vôo e, movidos de coragem, os dois saltaram para o infinito. Dominando o vôo, Dédalo preveniu ao filho que mantivesse uma determinada altura; não tão baixa para não cair no mar e nem tão alta para que não se aproximasse do sol que poderia derreter a cera.
Dédalo e Icaro alcançam os céus da Grécia, mas Icaro se deixou deslumbrar pela sensação de liberdade e pela beleza do céu. Voando alto, os raios quentes do sol derreteram a cera das asas e em meio ao seu delirio sonhador, Icaro se precipitou no mar. Dédalo desceu para apanhar o cadáver do filho e quando caminhava entre os arbustos para sepultá-lo, uma perdiz pairou sobre sua cabeça. Era o espírito de Talo, acentuando a tragédia numa anunciada vingança.
Partindo em um barco pelo mar Dédalo aportou na Sicília. Mesmo sendo recebido com honras pelo rei daquele local, a alma de Dédalo vestia um luto perene e nada estimulava sua alma criadora. Já não sentia nenhuma inveja como no passado e viu perdida sua genialidade. Apesar disso, criava o que lhe instruiam mas ele já não se importava com os aplausos. Tornou-se um protegido no reino mas um dia Minos aportou na Trinácria à procura de Dédalo. A fim de proteger Dédalo, o rei Cócalo fingiu receber com honras o rei Minos, convidando-o para um banho quente e um banquete.
Para repousar da fatigante viagem, Minos atendeu ao convite. Entrando na banheira, sentiu a água morna e fechou os olhos para repousar. Mas Cócaro havia premeditado matar Minos, e de repente a água começou a esquentar e ferver e, apesar dos gritos de Minos, ninguém veio a socorrê-lo. O soberano de Creta morreu sufocado pelos vapores e pelo calor. Dédalo estava livre do seu maior perseguidor, porém já não tinha mais sentido a sua liberdade. Dédalo seguiu solitário ensinando sua arte a muitos discípulos. E já muito velho, quando viu a morte chegar, Dédalo realizou seu maior sonho, vendo sua alma sem asas voar...
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O mito de Dédalo e seu filho Ícaro representam as limitações físicas do ser humano, apesar da sua criatividade. Enquanto jovens, temos grandes sonhos e grandes projetos em mente, e buscamos realizar algo sagrado que alimenta a liberdade de nossa alma. Tentamos superar todos os obstáculos, mas quando perdemos o bom senso e somos imprudentes em nossas ações, podemos alterar todo o curso de nossas vidas.
Assim como Dédalo, podemos ter talentos excepcionais mas nossa vaidade pode traçar caminhos diferentes. O ego inflamado de Dédalo aprisionou sua arte e seu espírito criativo, tornando-o escravo das paixões alheias, construindo sonhos que não eram os seus. Assim como Dédalo, também nós podemos aplicar nossos talentos numa carreira de sucesso conseguindo reconhecimento e aplausos, mas se estivermos distantes de nossos sonhos e projetos de vida, tendo limitada a nossa criatividade, estaremos construindo um labirinto para nossa própria alma.
Quando permanecemos em empregos, relacionamentos e qualquer outra situação que não atende os apelos de nossa alma, nos tornamos prisioneiros. E como Dédalo, podemos nos libertar de situações opressoras e seguir nossos sonhos, mas é necessário reconhecer os limites para sonhar. Dédalo se libertou pela arte com sua criatividade, ciente de que a arte é compulsiva e latente à essência do seu criador. Sua mais ousada criação lhe permitiu a liberdade e o sonho de voar. Se Dédalo é a mente criativa, Ícaro é a liberdade sonhadora; o homem asfixiado nas limitações da liberdade saciada.
Ao se ver livre voando como um pássaro, percorrendo um espaço ilimitado, Ícaro alcançou patamares mais altos, rumo aos seus ideais, rompendo os limites, ignorando os conselhos de seu pai, o criador. Icaro voou alto sem pensar nos perigos da queda, a sensação da liberdade apagou a dor fatal. O castigo de Icaro é o mesmo para todos os mortais, que não obedecem os limites dos sonhos, usando sua consciência e livre arbitrio. Livre, Dédalo pagou um alto preço da procura de sua liberdade de sonhar e criar. Os sonhos alimentam a alma; é a ausência de limites e realidade, que alimentam os fracassos.
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